05 agosto 2010

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Que diacho! Eu gostava do meu cusco

Alcy Cheuiche gentileza de Daniel Cassol


Entendo.
Envelheci entendendo.
Bicho não tem alma,
eu sei bem,mas será que vivente tem?
Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Era uma guaipeca amarelo,baixinho,
de perna torta,que me seguiu num domingo,
de volta de umas carreira.
Eu andava meio abichornado,
bebendo mais que o costume,
essas coisa de rabicho, de ciúme,
vocês me entendem, ele entendeu.
Passei o dia bebendoe ele ali no costadome olhando de atravessado,
esperando por comida.
Nesse tempo era magrinhoque aparecia as costela.
Depois pegou mais estadomas nunca foi de engordá.
Quando veio meu guisado,dei quase tudo prá ele.
Um pouco, por pena dele,e outro, que nesse dia,
só bebida eu engoliapor causa dos pensamento.
Já pela entrada do sol,
ainda pensando na moçae nas miséria da vida,
toquei de volta prás casae vi que o cusco magrinhovinha troteando pertinho,
com um jeito encabulado.
Volta prá casa, guaipeca!Ralhei e ralhei com ele.
Parava um puco, fugia,farejava qualquer coisa,depois voltava prá mim.
O capataz não gostou,na estância só tinha galgo,
mas o guaipeca ficou.
Botei o nome de sorro,
as crianças, de brinquinho,
mas o nome que pegoufoi de guaipeca amarelo.
Mas nome não é o que importa.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?
Ficou seis anos na estância.
Lidava com gado e ovelhasempre atento e voluntário.
Se um boi ganhava no mato,o guaipeca só voltavadepois de tirá prá fora.
E nunca mordeu ninguém!
Nem as índia da cozinhaque inticava com ele.
Nem ovelha, nem galinha,nem quero-quero, avestruz.
Com lagarto, era o primeiroe mesmo piquininhocorria mais do que um pardo.
E tudo ia tão bem...
Até que um dia azaradoo patrãozinho noivoue trouxe a noiva prá estância.
Era no mês de janeiro,os patrão tava na praia,
e veio um mundo de gente,tudo em roupa diferente,até colar, home usava,e as moça meio pelada,sem sê na hora do banho,imagino lá no arroio,o retoço da moçada.
Mas bueno, sou doutro tempo,das trança e saia rodada,até aí não tem nada,que a gente respeita os branco,olha e finge que não vê.
O pior foi o meu cusco,que não entendeu, por bicho,a distância que separaum guaipeca de peão da cachorrinha mimosada noiva do meu patrão.
Era quase de brinquedoa cachorrinha da moça.
Baixinha, reboladera,pêlo comprido e tratado,andava só na coleirae tinha medo de tudo,por qualquer coisa acoava.
Meu cusco perdeu o entonoquando viu a cachorrinha.
E les juro que a bichinhatambém gostou do meu baio.
Mas namoro, só de longeque a cusca era mais cuidadaque touro de exposição.
Mas numa noite de lua,foi mais forte a natureza.
A cadela tava alçadae o guaipeca atrás delaentrou por uma janelae foi uma gritariaquando encontraram os dois.
Achei graça na aventura,até que chegou o mocito,o filho do meu patrão,e disse prá o Vitalícioque tinha fama de ruim:Benefecia o guaipecaprá que respeite as família!Parecia até uma filhaque o cusco tinha abusado.
Perdão, le disse, o coitadonão entende dessas coisa.
Deixe qu'eu leve prá o postodo fundo, com meu cumpadre,depois que passá o verão.
Capa o cusco, Vitalício!E tu, pega os teus pertencee vai buscá teu cavalo.Me deu uma raiva por dentro de sê assim despachado por um piazito mijadoe ainda usando colar.
Mas prometi aqui prá dentro:mesmo filho do patrão,no meu cusco ninguém toca.
Pego ele, vou m'emborae acabou-se a função.
Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?
Campiei ele no galpão,nos brete, pelas mangueirae nada do desgraçado.
No fim, já meio cansado,peguei o ruano velhoe fui buscá o meu cavalo.
Com o tordilho por diante,vinha pensando na vida.
Posso entrá numa comparsa,mesmo no fim das esquila.
Depois ajeito os aperoe busco colocação,nem que seja de caseiro,se nã me ajustam de peão.
E levo o cusco comigo pois foi o único amigo que nunca negou a mão.
Nisso, ouvi a gritaria e os ganido do meu cusco que era um grito de susto,de medo, um grito de horror.Toquei a espora no ruanomas era tarde demais.
Tinham feito a judiariae o pobrezinho sangrava,sangrava de fazê poça e já chorava fraquinho.
Peguei o cusco no coloe apertei o coração.
O sangue tava fugindo,não tinha mais esperança.
O cusco foi se finandoe os meus olho chorando,chorando como criança.
Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?
Nessa hora desgraçadao tal mocito voltouprá sabê pelo serviço.
Botei o cusco no chão,passei a mão no facãoe dei uns grito com ele,com ele e com o Vitalício!
Ele puxô do revólvermas tava perto demais.
Antes que a bala saísse,cortei ele prá matá.
Foi assim, bem direitinho.Não tô aqui prá menti.
É verdade qu'eu fugimas depois me apresentei.
Me julgaram e condenarammas o pior que assassino,
foi dizerem que o motivoera pouco prá o que fiz...
Que diacho!
Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?

Um comentário:

Obrigada por expressar tua opinião,ela será sempre muito bem vinda!

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